1. Da consulta
Em virtude dos acontecimentos do caso Schincariol (prisão de advogados sorocabanos), a Vigésima Quarta Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil (Sorocaba) solicitou-nos parecer a respeito da prisão de advogados e da invasão de escritórios de advocacia, com a apreensão de documentos mediante ordem judicial.
Para tanto, desenvolveremos a análise e o estudo de alguns institutos relevantes no cenário nacional e internacional, abordando a imunidade dos advogados, o sigilo profissional, a prova lícita e ilícita, a obtenção de documentos em escritórios de advocacia por meio de decisões genéricas, o confronto de direitos de valores relevantes.
2. O advogado e a Constituição Federal
A Constituição Federal estabelece no seu artigo 133 que “O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
A lei aludida pelo texto constitucional é o Estatuto do Advogado que no seu artigo 7º, inciso II dispõe que “respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB” .
Considerando essa disposição constitucional perguntaríamos se a imunidade do advogado é absoluta ou relativa?
Se considerarmos a imunidade absoluta, pensamos que ela poderá servir para instrumentos escusos.
Por outro lado, se for relativa, poderá perder o seu significado, sentido e objetivos. Acreditamos que o regime jurídico da imunidade não deverá ser nem absoluto e nem relativo, mas relacionado com a atividade profissional. Em outras palavras, sempre haverá sigilo profissional se o advogado estiver exercendo a profissão.
3. Da prova
3.1 Prova dos atos e negócios jurídicos
3.1.1 Conceito
A forma nas palavras de Clóvis Beviláqua é “o conjunto das solenidades, que se devem observar, para que a declaração da vontade tenha eficácia jurídica. É o revestimento jurídico, a exteriorizar a declaração da vontade. Esta é a substância do ato, que a forma revela”, enquanto a prova, para o mesmo jurista brasileiro , é “o conjunto de meios empregados para demonstrar, legalmente, a existência de um ato jurídico”.
Luis da Cunha Gonçalves , mais objetivo e sintético, conceitua a prova como a demonstração da verdade de um fato.
As Ordenações Filipinas estabeleciam que “a prova é o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões”.
O Código Civil trata da prova dos negócios jurídicos nos artigos 212 a 232, abordando os aspectos de determinação, indicação e valor jurídico, e o Código de Processo Civil, nos artigos 332 a 443, abordando o modo de sua constituição e de sua produção. O mesmo ocorre com o Código do Processo Penal nos seus artigos 155 a 250.
3.1.2 Dos meios de prova
3.1.2.1 Campo de incidência e prova ilícita
Muito se discute se a prova dos fatos, dos atos ou dos negócios jurídicos é matéria do direito material ou do direito instrumental.
O Direito Civil, por exemplo, estabelece regras sobre as provas, no que se refere à sua determinação, a sua indicação e ao seu valor jurídico.
O Direito Processual estuda o modo de sua constituição e como ela deve ser produzida.
Aliás, a prova, hoje, é objeto do Direito Constitucional, que proíbe aquela que é obtida por meio ilícito (artigo 5º, inciso LVI) .
A respeito das provas nesses dois campos do direito esclarece Clóvis Beviláqua : “Entra na esfera do direito civil a determinação das provas, e a indicação tanto do seu valor jurídico quanto das condições de sua admissibilidade. Ao direito processual cabe estabelecer o modo de constituir a prova e de produzi-la em juízo. Os dois campos estão perfeitamente delimitados. Na primeira fase, a prova é substancial, porque dela depende a existência ou a eficácia da relação jurídica. Como se prova o casamento? Que valor tem, para esse efeito, a posse do estado de casada, em que tenha vivido uma pessoa? Se o casamento se realizar no estrangeiro, quais os meios de prová-lo? São interrogações essas que o direito civil deve responder. O direito civil dirá que o instrumento público é da substância de certo ato jurídico. O processo regulará o modo de elaborar o instrumento. Provando-se atos e fatos por testemunhas, estatui o direito civil. Como se lhes tomam os depoimentos, estabelece o direito processual”.
No campo da ilicitude da prova, entendemos que aquela obtida por meio ilícito ou escuso, jamais deve ser admitida em qualquer processo, como prelecionam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco : “Não se trata, pois, de admitir a prova obtida ilicitamente, em nome do princípio da verdade real ou de outro qualquer, para depois responsabilizar quem praticou o ilícito (civil, penal, administrativo) – mas simplesmente de impedir que tais provas venham ao processo ou nele permaneçam”.
Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal : “Ação Penal. Denúncia recebida. Prova ilícita. Embargos de declaração pleiteando seu desentranhamento. Constituição, art. 5º, inciso LVI. 2. Reconhecida a ilicitude de prova constante dos autos, conseqüência imediata é o direito da parte, à qual possa essa prova prejudicar, a vê-la desentranhada. 3. Hipótese em que a prova questionada foi tida como ilícita, no julgamento da Ação Penal nº 307, fato já considerado no acórdão de recebimento da denúncia. 4. Pedido de desentranhamento formulado na resposta oferecida pelo embargante e reiterado em outro instante processual. 5. Embargos de declaração recebidos, para determinar o desentranhamento dos autos das peças concernentes à prova julgada ilícita, nos termos discriminados no voto condutor do julgamento”.
Outra decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da ilegalidade da prova ilícita é a seguinte: “Habeas-corpus substitutivo de recurso ordinário. Formação de quadrilha. Prova ilícita. Extensão da ordem a co-réus na mesma situação. Escuta telefônica autorizada anteriormente à vigência da lei 9.296/96. Prova ilícita reconhecida em outro writ. Anulação, ab initio, da ação penal. Extensão aos pacientes que se encontram em idêntica situação (cpp, artigo 580). Ordem deferida”.
Ainda no campo da prova ilícita, alguns entendem que ela deve prevalecer na hipótese de ser confrontada com algum direito do mesmo quilate porque é garantia fundamental prevista na Constituição da República a invalidade da prova obtida por meio ilícito (artigo 5º, inciso LVI).
Todavia, se essa prova for confrontada com algum outro direito constitucional do mesmo quilate, por exemplo, o interesse público de investigar uma autoridade pública, mesmo tendo sido colhida uma prova de forma ilícita esta prepondera, porque o interesse público é direito que está acima da impossibilidade de utilização da prova ilícita.
Esse entendimento é obtido por meio do princípio da proporcionalidade, segundo o qual, no confronto de direitos do mesmo quilate, deve prevalecer aquele que sofrer menos impacto, isto é, como esclarece Maria Helena Diniz , por meio desse princípio podem-se “mensurar as opções políticas em harmonia com os fins constitucionalmente previstos, coibindo-se desvios de finalidade ou excessos de poder”.
Todavia, o Tribunal de Justiça de São Paulo validou gravação telefônica realizada pela mulher tendo como interlocutor o marido sem o seu conhecimento: “PROVA – GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA. Ilicitude da prova afastada, uma vez que só pode ser argüida pelos interlocutores. Inexistência de violação a garantias constitucionais. Recurso improvido”.
No mesmo sentido, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:
“HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. Gravações de conversas por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal, máxime se a ela se agregam outros elementos de prova” .
“PROCESSUAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. GRAVAÇÃO DE CONVERSA REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LEGÍTIMA. 1. A jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que a gravação de conversa por um dos interlocutores não configura ...” .
“PENAL. PROCESSUAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. HABEAS CORPUS. RECURSO. 1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal. 2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade. 3. Precedentes do STF. 4. Recurso conhecido mas não provido” .
3.1.2.2 Requisitos da prova
Segundo Clóvis Beviláqua e João Franzen de Lima , são requisitos da prova:
a) admissibilidade: que ela não seja proibida e seja aplicável ao fato;
b) pertinência: que ela seja adequada à demonstração dos fatos e à aplicação do direito invocado;
c) concludência: que ela possa trazer esclarecimento ao ponto questionado, ou confirmar as alegações feitas.
Além desses requisitos, Clóvis Beviláqua e João Franzen de Lima acrescentam ainda os cânones da prova:
a) a prova incumbe a quem alega – Ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat (artigo 333, I do Código de Processo Civil);
b) prova-se o fato, não o direito, a menos que se trate de direito estadual, municipal, costumeiro, singular ou estrangeiro, conforme dispõem o artigo 14 da Lei de Introdução ao Código Civil e o artigo 337 do Código de Processo Civil;
c) o juiz julga pelo alegado e provado. Não tem consciência individual, senão a legal;
d) a anuência ou autorização de outrem, necessária à validade de um ato, prova-se do mesmo modo que este e constará, sempre que possível, do próprio instrumento (artigo 220 do Código Civil).
A prova tem regras no campo do direito material e do direito processual. O primeiro estabelece sua determinação, sua indicação e seu valor jurídico, o segundo o modo de sua constituição e o modo de sua produção.
Não querendo avançar o estudo da prova até o campo do Direito Processual, salientamos, apenas, que nele existem regras quanto ao ônus da sua produção, além da prevista no mencionado inciso I, do artigo 333.
Assim, o inciso II, do artigo 333 do Código de Processo Civil impõe ao réu o ônus da prova “quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.
A outra regra tem previsão no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, que trata da inversão do ônus da prova, quando a alegação for verossímil e o consumidor for hipossuficiente.
Sobre isso, esclarecem Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery : “A inversão do ônus da prova dá-se ope judicis, isto é, por obra do juiz, e não ope legis como ocorre na distribuição do ônus da prova pelo CPC 333. Cabe ao magistrado verificar se estão presentes os requisitos legais para que se proceda à inversão. Como se trata de regra de juízo, quer dizer, de julgamento, apenas quando o juiz verificar o non liquet é que deverá proceder à inversão do ônus da prova, fazendo-o na sentença, quando for proferir o julgamento de mérito. Caso as partes tenham se desincumbido do ônus da prova, não haverá o non liquet e o juiz, portanto, julgará de acordo com as provas e o seu livre convencimento”.
Por outro lado, há que se registrar que, de acordo com o artigo 334, incisos I a IV, do mesmo Código de Processo Civil, independem de prova os fatos: a) notórios, ou seja, aqueles que devem ser de inequívo conhecimento de todos e que constituem “uma verdade, que está no domínio público” , como, por exemplo, os fatos históricos; b) que, afirmados por uma parte, tiverem sido confessados pela outra, desde que, em relação a eles, seja admitida a confissão; c) incontroversos, isto é, aqueles que não tiverem sido objeto de discussão entre as partes; d) cuja existência e veracidade decorram de presunção legal, como veremos a seguir.
Finalmente, ainda no campo processual, há que ser salientado que pode ser objeto de uma relação jurídica processual a inocorrência de uma situação fática , ou seja, a alegação de um fato negativo, como, por exemplo, a inexistência da obrigação de pagar o preço de um bem, cuja compra e venda nunca ocorreu.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery esclarecem a esse respeito: “Fatos negativos. Porque prevaleceu por muito tempo a regra de Paulo, de que a prova incumbe a quem afirma e não a quem a nega, entendeu-se que os fatos negativos não precisavam ser provados, porque a negativa da parte excluía dela o ônus de prová-lo (negativa non sunt probanda). A doutrina hoje entende não ser bem assim, porque se a negativa, de alguma forma, consistir em alegação cuja declaração negativa se pretende obter, impõe-se à parte que nega o ônus da prova”.
3.1.2.3 Espécies de prova
Os meios de prova (espécies) estão previstos no artigo 212 do Código Civil e são: a) confissão; b) documento; c) testemunha; d) presunção; e) perícia.
Confissão: no dizer de João Franzen de Lima , é “o reconhecimento, por uma das partes, da verdade dos atos alegados pela outra”. Pode ser judicial ou extrajudicial.
Documento: pode ser público ou particular. É o escrito que oferece elementos para provar um ato jurídico.
O documento público é aquele feito por oficial público, com o preenchimento das formalidades previstas em lei, como, por exemplo, a escritura pública prevista no artigo 215 do Código Civil. Essas formalidades são as seguintes: 1. a data e o local da sua realização; 2. o reconhecimento da identidade e da capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas; 3. o nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação; 4. a manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes; 5. a referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato; 6. a declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes, ou de que todos a leram; 7. a assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato.
Compreendem na categoria de documentos públicos as escrituras públicas, os atos judiciais, as certidões tiradas dos processos pelos escrivães, etc. (artigos 216, 217 e 218 do Código Civil).
O documento particular é aquele feito e assinado ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens (artigo 221 do Código Civil). Entretanto, para valer contra terceiros, deverá ser levado ao registro público (artigo 221 do Código Civil).
Sobre os documentos particulares, o Código Civil estabelece as seguintes disposições: a) o telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade, faz prova mediante conferência com o original assinado (artigo 222); b) a cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original; c) as reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se à parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão (artigo 225); d) os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas a que pertencem e em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios, salvo as hipóteses em que a lei exige escritura pública ou documento particular revestido de requisitos especiais (artigo 226).
Testemunha: é a pessoa que assegura a ocorrência ou inocorrência do ato ou fato que se quer provar.
O Código Civil estabelece as seguintes regras sobre as testemunhas: 1. a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados, sendo subsidiária e complementar da prova por escrito (artigo 227, caput) ; 2. não podem ser admitidos como testemunhas: a) os menores de 16 anos ; 3. aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; 4. os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; 5. o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; 6. os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade (artigo 228, incisos I a V e parágrafo único); 7. ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: a) a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo; b) a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; c) que o exponha, ou às pessoas referidas na alínea anterior, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato (artigo 229, incisos I a III).
Presunção: segundo Clóvis Beviláqua , é “a ilação que se tira de um fato conhecido para provar a existência de outro desconhecido”.
A presunção pode ser absoluta (jure et de jure) ou relativa (juris tantum). A primeira é aquela em que a lei extrai uma conseqüência contra a qual não pode haver prova em contrário. A segunda, quando admite prova em contrário.
Exemplos de presunção absoluta: a prevista no artigo 163 (fraude contra credores) e 1.802 (nulidade das disposições testamentárias a favor de pessoas não legitimadas a suceder) do Código Civil. A coisa julgada tem presunção absoluta.
Silvio de Salvo Venosa cita alguns exemplos de presunção absoluta: a coisa julgada; a presunção de incapacidade do alienado mental; a venda de ascendente para ascendente, sem o consentimento dos demais descendentes (artigo 496 do Código Civil).
Clóvis Beviláqua dá como exemplo de presunção absoluta o conhecimento da lei previsto no artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil. Todavia, com a inclusão do erro de direito no Direito Civil (artigo 139, III), entendemos que essa presunção não é mais absoluta, mas sim relativa, pois admite prova em contrário, por exemplo, da ignorância ou do desconhecimento da lei.
Podemos citar como exemplo de presunção relativa o conteúdo de um Boletim de Ocorrência (da Polícia Civil, da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, etc.) em relação ao qual é permitido à pessoa contra o qual foi produzido o documento a demonstração em contrário (pelos demais meios de prova permitidos) dos fatos narrados no referido boletim. Outros exemplos: artigos 8º, 133, 219 do Código Civil, o laudo policial .
Alguns autores tratam da presunção hominis (comum), que, segundo De Plácido e Silva , decorre das presunções de fato e das presunções do homem: “Elas se conjecturam pela verossimilhança das deduções, em face de outras circunstâncias ou fatos, que as demonstrem. Não se antepõe às presunções jurídicas ou legais, que sempre têm sobre elas prevalência”. Difere ela dos indícios, pois estes são os pontos de partida de onde, por inferência, chega-se a estabelecer uma presunção .
A respeito dos indícios, esclarece De Plácido e Silva : “As presunções comuns, pois, são meras presunções ou indícios (indicia), chamadas ainda de humanas ou naturais. Nesta razão, nada provam por si, isto é, quando isoladas ou desacompanhadas de quais outros elementos subsidiários de valor certo. Somente em tais circunstâncias podem merecer fé”.
E, também sobre os indícios, os romanos assentaram que: “Indicia certa, quae jure respuuntur, non minorem probationis quam instrumenta, continent fidem ...”.
A presunção comum, se a lei excluir a prova testemunhal (artigo 227), não é admitida no Código Civil (artigo 230), ao contrário do que ocorre com a presunção legal (absoluta e relativa).
Outrossim, aquele que se nega a se submeter a exame médico necessário não pode se aproveitar da sua recusa (artigo 231 do Código Civil), presumindo-se contra aquele que se recusou: “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”.
De igual forma, presume-se contra a pessoa que se recusa a fazer exame médico pericial ordenado pelo juiz (artigo 232 do Código Civil).
Perícia (exames, vistorias e arbitramento): são apreciações periciais para o esclarecimento do juiz.
O exame ocorre para a verificação de contas, para a averiguação da autenticidade de letras (exame grafotécnico), a verificação de livros, a verificação da paternidade, o exame de sangue, etc.
A vistoria é a inspeção ocular de um objeto sobre o qual paira a controvérsia.
O arbitramento é o exame pericial que tem por objeto a determinação do valor do bem ou a estimação da obrigação em pecúnia.
Acrescentamos que o Código do Processo Penal em seus artigos 240 a 250 estabelece regras a respeito da busca e apreensão de coisas e pessoas.
4. Manifestações após o caso Schincariol
A partir do caso Schincariol, no qual ocorreu à prisão de advogados e a invasão de inúmeros escritórios de advogados, diversos juristas manifestaram-se por sua ilegalidade, enfatizando a liberdade profissional e a inviolabilidade das informações e dos documentos confiados pelo cliente ao advogado.
O Presidente da Secção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Flávio Borges D’Urso, em artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo de 01 de julho, sob o título Invasão de escritórios: a marca da ilegalidade asseverou:
“As invasões a escritórios de advogados, baseadas em mandados judiciais de busca e apreensão genéricos - destituídos de’justa causa’ - são ilegais, inconstitucionais e vêm maculando o Estado Democrático de Direito. As diligências da Polícia Federal em bancas de advogados, contra os quais nenhuma acusação criminal existe, avançam sobre a liberdade profissional e as informações e os documentos confiados pelo cliente e que deveriam estar garantidos pela inviolabilidade, assegurada pela Constituição Federal e pela legislação vigente. Essas operações, portanto, vêm instaurando o caos, levando terror aos advogados e colocando em risco o direito dos cidadãos.
Tais diligências e respectivos mandados de busca e apreensão, na forma como vêm sendo conduzidas, têm merecido o veemente repúdio da OAB SP, pois trazem riscos às liberdades civis conquistadas no Brasil nas últimas duas décadas – luta da qual os advogados tomaram parte - além de trazer prejuízos de toda ordem às bancas de advocacia. A OAB SP, entidade com histórico em defesa da cidadania e das liberdades, tomou uma posição enérgica contra essas violações de prerrogativas profissionais, apontando e questionando essas ordens ilegais por meio de Notas Oficiais e reagindo em três frentes distintas: a política, a jurídica e a legislativa.
No plano político, estabeleceu diálogo com a Superintendência da Polícia Federal em São Paulo, Ministério da Justiça e Tribunal Regional Federal da Terceira Região. No plano jurídico, optou pelo caminho da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, junto ao STF, que será remetida ao Conselho Federal da OAB; bem como um Mandado de Segurança Coletivo e Preventivo junto ao TRF-3 Região. E, no plano legislativo, a OAB SP já havia formulado proposta de criminalização da violação às prerrogativas profissionais, cujo projeto de lei já apresentado, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
A inviolabilidade dos escritórios de advocacia está garantida pelo Art. 133 da Constituição Federal, que prevê a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça, e pelo Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94). Todo magistrado tem o pleno conhecimento dessas prerrogativas ao expedir mandados genéricos, nos quais não estão especificados os objetos que deveriam ser buscados e apreendidos, no interesse da investigação. Isso causa grande transtorno porque a apreensão de todos os arquivos impede a continuidade do trabalho, expõe os dados de clientes que nenhuma relação tem com o inquérito e arranha a credibilidade dos escritórios, expostos à execração pública durante as mega-operações da Polícia Federal.
Além disso, os mandados são expedidos por juízes federais de outras jurisdições fora de São Paulo e desacompanhados de cartas precatórias. As diligências só teriam pertinência no caso de haver indício de autoria e materialidade da prática de um crime por parte do advogado investigado. As prerrogativas profissionais dos advogados não são privilégios.Os magistrados, por exemplo, estão amparados em diplomas legais para exercer, com liberdade, sua função. Essas prerrogativas permitem ao juiz ter total independência para proferir sentenças que possam contrariar os poderosos. As prerrogativas dos advogados possuem o mesmo propósito e devem ser, igualmente, respeitadas. Advém desses fatos a revolta e a angústia dos advogados que se vêem diante de tal violência. O inconformismo da classe está gerando uma reação em cadeia, que passa a denunciar essas ordens proferidas por autoridades que, lamentavelmente, não têm observado o ordenamento jurídico nacional e, conseqüentemente, avançado sobre o direito do cidadão. Essa inviolabilidade dos escritórios não é absoluta - e nem se pretende que seja - mas quando nada existe contra o advogado, nenhuma investigação, nenhuma imputação e se invade um escritório de advocacia com uma ordem judicial para ir ao arquivo do advogado buscar documentos do seu cliente, se está rasgando a Constituição Federal e mutilando o Estado Democrático de Direito. A classe lamenta, ainda, que essas invasões de escritórios de advocacia estejam ocorrendo dentro de um governo democrático, o qual os advogados ajudaram a consolidar, muitos com o risco da própria vida. A OAB SP não é contra as investigações sobre sonegação, corrupção ou qualquer outro ilícito, mas todo processo deve ser conduzido dentro dos limites da legalidade. A inviolabilidade do advogado quer garantir, portanto, o cidadão, que é o titular de direitos. Em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, os advogados precisam ver assegurada a inviolabilidade de seus arquivos e escritórios, conforme prevê a lei. Do contrário, cairemos num caldeirão de exceções, que irá comprometer o Estado Democrático de Direito e impor a ética maquiavélica , ao propor que o Poder do Estado seja revestido de caráter absoluto no falso intuito de que, ao final, estará promovendo a Justiça”.
O jurista Ives Gandra da Silva Martins observou: “O aumento da fiscalização pode reduzir a economia informal e, portanto, a economia. Para tentar mostrar que o PT está voltando à origem, o governo cai sobre as elites”.
O Ministro da Justiça defendeu a atuação da Polícia Federal na mega operação de incineração de entorpecentes .
O Jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba (SP), no seu editorial da edição de 25 de junho de 2005, sob o título “A liberdade de advogar”, p. 3, concluiu: “Quando se ameaça as prerrogativas daqueles que, por vocação e ofício, optaram pela carreira de defensores, com eles se encarcera o direito à defesa de todos os demais cidadãos”.
O mesmo Jornal Cruzeiro do Sul em outro editorial na edição de 16 de julho de 2005, p. 2, sob o título “Nobre, peões e lei, concluiu: “Se os procedimentos investigatórios continuarem a se pautar pelo potencial lesivo dos atos sob suspeita, ignorando o prestígio de seus possíveis autores, finalmente teremos um Brasil novo”.
Jorge Antonio Maurique, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), no caso das invasões de escritórios e das empresas, asseverou: “As operações estão chegando a um estrato superior. E algumas dessas pessoas devem se considerar acima da lei. É evidente que esse tipo de operação desestimula a sonegação” .
Em outra oportunidade o presidente da Ordem dos advogados da Secção de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso , em Defesa do Sigilo Profissional, pronunciou-se da seguinte maneira:
“Violência, arbitrariedade, desrespeito, abuso – essa é a tradução para as invasões de escritórios de advocacia, em cumprimento a ordens judiciais que consideramos ilegais. Nem nos tempos de chumbo do período militar víamos tanta insensatez. Invadir escritórios de advocacia é mutilar o Estado Democrático de Direito. Como todo o universo jurídico bem o sabe, o Estatuto da Advocacia – Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 – prevê em seu artigo 7o, inciso II, que é direito do advogado ‘ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB’. Ora, a exceção prevista ocorreria somente se o investigado fosse o próprio advogado e desde que exista justa causa para essa diligência, não o cliente, que estaria totalmente protegido pelo sigilo. Outro aspecto a se considerar é o de que os documentos e objetos apreendidos só podem ser os mesmos que constituem alvo da investigação. Como nada disso tem sido observado, as diligências da Polícia Federal, amparadas em decisões genéricas de juízes, que parecem desconhecer a letra da lei, ingressa no terreno dos maiores absurdos que já se cometeram contra a advocacia ao longo de toda a história do país. Há casos em que os mandados expedidos por magistrados são tão genéricos que a Polícia Federal acaba apreendendo arquivos e documentos do escritório, além dos computadores. O que vimos, por ocasião da invasão de 12 escritórios de advocacia em São Paulo, além de outros no Rio de Janeiro, foi um espetáculo de pirotecnia, que serviu para que policiais federais exibissem a operação para os holofotes da mídia. Fizemos o relato dessas diligências ao senhor ministro Márcio Thomaz Bastos, solicitando medidas urgentes para a preservação do exercício da advocacia. Não está em questão a análise do elemento surpresa, como muitos alegam para justificar o abuso. Trata-se, isso sim, de cumprir a lei, o artigo 133 da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade do advogado no exercício de sua profissão. Se o advogado comete um ilícito, ele pode e deve ser investigado. Mas não é o caso. O que está ocorrendo é a invasão de escritórios para recolhimento de documentos de clientes. Os danos gerados à advocacia por essas operações da Polícia Federal são enormes. A confiança entre cliente e advogado fica minada. Não há mais segurança de que o sigilo, absolutamente indispensável na relação entre cliente e advogado, seja preservado. O direito de defesa dos clientes é atacado frontalmente. Dessa forma, com a retração de clientes, o exercício da advocacia acaba sendo inserido numa escala de risco. Diante da grave situação que abala a nossa profissão, urge que permaneçamos em estado de mobilização. Não podemos aceitar que as invasões continuem. Admitir a truculência é compactuar com a barbárie, na esteira de um retrocesso que ameaçará jogar o país num estado pré-civilizatório. Vamos acompanhar, atentos e integrados, o desenrolar dos acontecimentos nessa área. E continuaremos a reagir, se não houver um basta à truculência”.
A Revista Época nº 390 , sob o título Bê-á-bá do sonegador, publicou reportagem na qual conclui entre outras coisas que os escritórios de advocacia elaboram manuais nos quais ensinam na maior cara-de-pau, a esconder patrimônio da Receita Federal.
Nessa reportagem aborda os temas como “leis que beneficiam pessoa física são usadas em favor de empresa. Menciona os passos que tratam da criação de uma offshore aberta em nome de um laranja com dinheiro de uma negociata realizada por uma factoring de um escritório de advocacia. Enfim, esclarece os passos de uma simulação na qual há participação de um escritório de advocacia”.
Ainda a referida reportagem publicou um “manual da sonegação” contendo sete passos , além de mostrar outros caminhos como a Bolsa de Valores e uma cartilha que trata do caixa dois .
A Ordem dos Advogados do Brasil instada a manifestar-se a respeito da reportagem da Revista Época já referida, o fez por meio do Vice-Presidente, Dr. Aristóteles Atheniense , da seguinte maneira: “Mas é evidente que eles contrariam o código de ética da OAB. Não se pode chamar essa prática de advocacia”.
5. Do caso Schincariol
A Ordem dos Advogados do Brasil, Subsecção de Sorocaba encaminhou-nos para análise e parecer o Inquérito Policial que tramita perante a Vara Federal de Itaboraí, Processo nº 2005.51.07.000650-3, no qual ocorreram prisões de advogados e de seus clientes e também, a busca e a apreensão em escritórios de advocatícia.
Inicialmente, cumpre dizer que não compete a Ordem dos Advogados do Brasil, uma análise detida a respeito do procedimento criminal, até porque está coberto pelo segredo de justiça, apesar da imprensa tê-lo divulgado de forma ampla. A Ordem dos advogados do Brasil deve analisar deontologicamente a natureza da ordem judicial que determinou a busca e apreensão de documentos de forma genérica em escritório de advocacia.
No caso em referência há ordem judicial, mas de forma genérica, isto é, sem discriminar o que deveria ser apreendido e buscado. Além disso, não verificou se o ato foi ou não praticado no exercício da atividade de advogado. Todavia, pela decisão judicial, verificamos que houve fundamentação de fato e de direito quanto às provas coligidas pela autoridade policial.
Aliás, tais buscas genéricas, ao que tudo indica motivou a edição da Portaria nº 1.287, do Ministério da Justiça, de 30/06/2005 , que estabeleceu instruções para a execução de diligências da Polícia Federal no que refere aos cumprimentos de mandados judiciais de busca e apreensão.
6. Decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria de prova ilícita
O Supremo Tribunal Federal em matéria de prova ilícita, isto é, sem autorização judicial entendeu que ela é inválida, como foi decidido no Mandado de Segurança nº 23.642/DF, no qual foi Relator o Ministro Nery da Silveira: “Mandado de segurança contra ato do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o avanço e a impunidade do narcotráfico. 2. Apreensão de documentos e equipamentos sem fundamentação em locais invioláveis. 3. Parecer da Procuradoria-Geral da República pela concessão da ordem. 4. O fato da autorização judicial para a perícia dos equipamentos, oriunda de autoridade judiciária de primeiro grau, após a apreensão, sem mandado judicial, não legitima os resultados da perícia que se tenha realizado ou em curso. 5. Mandado de segurança que se defere para determinar a devolução dos bens e documentos apreendidos, declarando-se ineficaz eventual prova decorrente dessa apreensão com infração do art. 5º, XI, da Lei Maior”.
Como remarcado, comungamos dessa mesma opinião do Supremo Tribunal Federal, inclusive, invalidando toda e qualquer prova que desrespeita o sigilo profissional do advogado.
Salientamos, também, que a Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo ajuizou Ação Originária, nº 1.296, no Supremo Tribunal Federal cujo objeto era impedir que os magistrados brasileiros proferissem decisões os despachos a respeito das buscas e apreensões genéricas em escritórios de advocacia, ação essa que não teve o seu mérito analisado pela referida Corte de Justiça sob o argumento de que seus ministros seriam incompetentes. A decisão que ceifou em seu nascedouro esta ação originária, com parecer do Ministério Público Federal no mesmo diapasão, foi de lavra do Ministro Carlos Velloso, com o seguinte teor: “... do exposto, não conheço do pedido relativamente aos magistrados não integrantes do Supremo Tribunal Federal. E, quanto aos magistrados deste, nego seguimento ao pedido. Determino o arquivamento dos autos ...”.
7. O sigilo profissional no direito alienígena
O desrespeito ao sigilo profissional para a obtenção da prova a qualquer custo tem ocorrido no direito português e a Ordem dos Advogados de lá manifestou da seguinte maneira:
“A propósito de notícias recentemente veiculadas por diversos órgãos de comunicação social, que dão conta da constituição de alguns advogados como arguidos no âmbito de um inquérito criminal actualmente em curso, constituição essa levada a cabo na sequência de buscas e apreensões efectuadas nos respectivos escritórios, parece-me oportuno referir o seguinte. A Ordem dos Advogados não pretende, naturalmente, comentar o teor do processo criminal em causa, o qual, além do mais, se encontra a coberto do segredo de justiça. Para a Ordem dos Advogados, a defesa do segredo profissional mantém-se como uma prioridade, enquanto elemento essencial ao exercício da advocacia, à garantia da qualidade do Estado de Direito e como condição de confiança entre Advogado e cidadão. Para a Ordem dos Advogados é absolutamente claro que o segredo profissional não pode, em caso algum, servir para auxiliar ou encobrir a prática de crimes, existindo na lei os mecanismos de prevenção e punição adequados, que actuarão quando se justifique. A Ordem dos Advogados está absolutamente ciente da adesão da generalidade dos Advogados à preservação destes princípios e à defesa destes valores. A Ordem dos Advogados, no quadro das suas atribuições, vai continuar a acompanhar situações como as descritas, analisando, nomeadamente, o efeito prático provocado pela redacção conferida ao artigo 71.º/4 do novo Estatuto. Com efeito, está em causa verificar se, com a aludida redacção, se pode gerar a constituição de Advogados como arguidos, não por serem indiciados pela prática de qualquer crime, ou por contra eles correr um determinado processo, mas apenas por essa constituição ser condição ‘sine qua non’ para a apreensão de correspondência nos respectivos escritórios, ainda que essa correspondência não contenha qualquer sinal de envolvimento nos factos investigados, indiciadora de responsabilidade criminal. Caso este efeito venha a ser demonstrado, ou este risco considerado, deverão ser-lhe introduzidas as necessárias alterações. O Congresso dos Advogados Portugueses, que se iniciará dentro de duas semanas, constituirá o momento adequado para um debate em profundidade sobre a matéria, que reclama uma particular atenção”.
O artigo 74º do Estatuto da Ordem dos Advogados de Portugal tem a seguinte redação:
“1 - Não pode ser apreendida a correspondência, seja qual for o suporte utilizado, que respeite ao exercício da profissão.
2 - A proibição estende-se à correspondência trocada entre o advogado e aquele que lhe tenha cometido ou pretendido cometer mandato e lhe haja solicitado parecer, embora ainda não dado ou já recusado.
3 - Compreendem-se na correspondência as instruções e informações escritas sobre o assunto da nomeação ou mandato ou do parecer solicitado.
4 - Exceptua-se o caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído argüido”.
Todavia, o mesmo estatuto português no seu artigo 72º prevê:
“1 - No decurso das diligências previstas nos artigos anteriores, pode o advogado interessado ou, na sua falta, qualquer dos familiares ou empregados presentes, bem como o representante da Ordem dos Advogados, apresentar qualquer reclamação.
2 – Destinando-se a apresentação de reclamação a garantir a preservação do segredo profissional, o juiz deve logo sobrestar na diligência relativamente aos documentos ou objectos que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume selado no mesmo momento.
3 – A fundamentação das reclamações é feita no prazo de cinco dias e entregue no tribunal onde corre o processo, devendo o juiz remetê-las, em igual prazo, ao presidente da relação com o seu parecer e, sendo caso disso, com o volume a que se refere o número anterior.
4 – O presidente da relação pode, com reserva de segredo, proceder à desselagem do mesmo volume, devolvendo-o novamente selado com a sua decisão” .
Interessante, também, registrar a disposição do artigo 87º do Estatuto português:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2. A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3. O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4. O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.
5. Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6. Ainda que dispensado nos termos do disposto no nº 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7. O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no nº 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no nº 5.
8. O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração”.
Fernando Souza Magalhães comentando o artigo 87º do estatuto dos advogados portugueses assevera: “O segredo profissional, sendo radicalmente um dever para com o cliente, já que sem ele seria impossível o estabelecimento da relação de confiança, resulta também de um compromisso da Advocacia com a sociedade. Na verdade, a função social desempenhada pelos Advogados implica, para além da independência e isenção, o reconhecimento do seu papel como confidentes necessários. A jurisprudência da Ordem dos Advogados vem assim considerando pacificamente que o segredo profissional é o ‘timbre da advocacia’, sendo indissociável da sua própria identidade”.
Ademais, a inviolabilidade do domicílio do advogado é uma garantia que está prevista no texto constitucional brasileiro e também no artigo 8º da Convenção Européia dos Direitos do Homem.
Logo, a inviolabilidade prevista no texto constitucional é uma prerrogativa, um princípio de alto significado e de relevante valor jurídico e social.
Da mesma forma, o sigilo da fonte dos jornalistas é uma prerrogativa fundamental no direito da informação .
A inviolabilidade do advogado, o segredo profissional e o sigilo da fonte são considerados direitos de grande importância numa democracia, bem como inseridos na liberdade de manifestação do pensamento. A advocacia é essencial na administração democrática da justiça, como preleciona José Afonso da Silva : “A advocacia não é apenas uma profissão, é também um múnus e ‘uma árdua fatiga posta a serviço da justiça’, como servidor ou auxiliar da Justiça. É um dos elementos da administração democrática da Justiça. Por isso, sempre mereceu o ódio e a ameaça dos poderosos. Frederico o Grande, que chamava os advogados de ‘sanguessugas e venenosos répteis’, prometia ‘enforcar sem piedade nem contemplação de qualquer espécie’ aquele que viesse pedir graça ou indulto para um soldado, enquanto Napoleão ameaçava ‘cortar a língua a todo advogado que a utilizasse contra o governo’. Bem sabem os ditadores reais ou potenciais que os advogados, como disse Calamandrei, são ‘as supersensíveis antenas da justiça’. E esta está sempre do lado contrário de onde se situa o autoritarismo”.
8. O sigilo profissional e o sistema de valores
8.1 Norma jurídica e sistema
Segundo podemos extrair do pensamento do Professor Paulo de Barros Carvalho, normas jurídicas são as significações construídas a partir dos enunciados prescritivos, mas que, para serem normas, necessitam de uma unidade mínima de sentido deôntico completo. Já o sistema é uma palavra ambígua, podendo ser tanto o sistema do direito positivo, quanto o sistema da ciência do direito, o que lhe dará o sentido será o contexto comunicacional .
Alf Ross explica “que la mayor parte de las palabras son ambiguas, y que todas las palabras son vagas esto es, que su campo de referencia es indefinido, pues consiste en un núcleo o zona central y un nebuloso circulo exterior de incertindumbre” .
Cada palavra sempre terá em sua significação uma acepção de base e outra (ou outras) que podemos chamar de contextual (ou contextuais), segundo Luiz Alberto Warat .
Em sua significação de base, o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como composição de partes orientadas por um vetor comum. Sistema é a forma das formas, segundo Husserl .
8.2 Classificação dos sistemas
Os sistemas podem ser reais ou empíricos e sistemas proposicionais. Os primeiros constituídos por objetos do mundo físico e social. Os segundos, por proposições, pressupondo, portanto, a linguagem.
O sistema proposicional subdivide-se em nomológico, cujos componentes são entidades ideais, e nomoempírico, ou formado por proposições com referência empírica. Este último subdivide-se em descritivos ou teoréticos, pois são constituídos por proposições descritivas, e prescritivos, tendo como finalidade alterar as condutas, mediante proposições prescritivas.
8.3 O sistema do direito posto e o sistema da ciência do direito
O sistema do direito positivo apresenta-se numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se opera tanto no aspecto material quanto no formal, imprimindo, assim, o seu caráter dinâmico e regulando, ele próprio, sua criação e suas transformações.
Todas as normas convergem para o mesmo ponto, que é a norma hipotética fundamental de Hans Kelsen, que confere fundamento de validade à constituição positiva, e dá assim, um caráter unitário e homogêneo ao conjunto. O direito positivo é um sistema, pois a racionalidade do homem é empregada com objetivos diretivos e vazada em linguagem técnica. Já a ciência do direito é um sistema, porque descreve o direito posto e suas significações (normas jurídicas).
8.4 Validade como relação de pertinência da norma com o sistema
A validade da norma nada mais é que uma relação entre a norma e o critério elegido pelo sistema: quando a norma se ajustar a esse critério, será considerada válida. Daí indagar-se se a o segredo profissional dos advogados (artigo 7º, II do Estatuto da Advocacia) e sua indispensabilidade na administração da justiça (artigo 133 da Constituição Federal) bem como a impossibilidade de obter prova a qualquer custo ou ilícita (artigo 5º, LVI da Constituição Federal) têm ou não pertinência com o sistema. Para responder a essa questão, reputamos importante estudar a os institutos sob os aspectos semiótico, axiológico, ontognosiológico e semântico, como sugere Paulo de Barros Carvalho em seu Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência tributária .
8.5 Semiótica e os textos jurídicos positivos
A linguagem é integrante do direito, sendo que ela não só trata do objeto (ciência do direito) como participa da sua constituição (direito positivo), o que nos leva a concluir que não existe direito sem linguagem.
A exegese significa dar valor aos símbolos. É o que pretendemos fazer na análise dos textos legais em referência.
Para tanto, podemos dizer que o direito se manifesta em três planos: conjunto de enunciados, tomados no plano da expressão; conjunto de conteúdos de significação dos enunciados prescritivos; e domínio articulado de significações normativas.
O plano dos significantes é o plano da expressão. É o veículo que manifesta graficamente (no direito escrito) a mensagem expedida pelo autor. Na sua totalidade, constitui o sistema morfológico e gramatical do direito posto, conjunto de frases prescritivas introduzidas por fatos jurídicos que a ordenação positiva para tanto credencia.
Parafraseando Lourival Vilanova , temos que a proposição que dá forma à norma jurídica é uma estrutura lógica. Estrutura sintática gramatical é a sentença ou a oração, modo expressional frástico (de frase) da síntese conceptual que é a norma. A norma não é a oralidade ou a escritura da linguagem, nem é o ato de querer ou pensar ocorrente no sujeito emitente da norma, ou no sujeito receptor da norma, nem é, tampouco, a situação objetiva que ela denota. A norma jurídica é uma estrutura lógico-sintática de significação .
O texto jurídico prescritivo pode indicar, quando escrito, o conjunto das letras, palavras, frases, períodos e parágrafos, graficamente manifestados nos documentos produzidos pelos órgãos de criação do direito. A concepção do texto como plano de expressão, como suporte físico de significações, cresce em importância na medida em que se apresenta como o único e exclusivo dado objetivo para os integrantes da comunidade comunicacional, ou seja, podemos colocar a literalidade textual como centro dos interesses cognoscitivos, deixando suspensa a atenção para o plano de conteúdo, e, assim, focalizar a presença morfológica das unidades empregadas pelo emissor, as partículas de conexão e a maneira como se tecem as combinações sintáticas que aproximam os vocábulos, formando as frases, os períodos e os parágrafos. Os textos jurídico-positivos, nessa dimensão de análise, vão constituir conjuntos finitos de enunciados prescritivos, racionalmente organizados na forma de sistema.
O enunciado pode ser tanto a forma expressional, matéria empírica gravada nos documentos dos fatos comunicacionais, como o sentido a ele atribuído, ou seja, o suporte físico. E é por esse suporte físico que o legislador introduz modificações, alterando o sistema. O enunciado, na linguagem escrita, apresenta-se como um conjunto de grafemas que, obedecendo às regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário, no contexto da comunicação, de tal forma que, seja qual for a função cumprida pela linguagem nesse processo, os enunciados aparecerão sempre como formações bem construídas e dotadas de referência objetiva.
De posse do texto jurídico-positivo, no caso, o segredo profissional, a indispensabilidade do advogado como auxiliar da Justiça e a impossibilidade da obtenção de prova a qualquer custo, o que se dá no plano da literalidade textual, ingressa o intérprete no universo dos conteúdos significativos, enfrentando o processo gerativo de seu sentido.
É importante ressaltar que o quantum de significação obtido com o isolamento do arcabouço da norma jurídica não é suficiente para expressar a orientação da conduta, como algo definitivo. Sua completude perante o sistema continua parcial, representando, apenas, o vencimento de um ciclo do processo exegético, que passa, a partir de então, a experimentar novo intervalo de indagações atinentes ao que poderíamos chamar de esforço de contextualização.
No Brasil, como em qualquer outro sistema, existem regras específicas para a produção de normas, como a obediência à legalidade, à isonomia, etc.
Após, passa-se a elaborar o sentido da norma, tendo em vista a integrá-la no ordenamento posto, partindo do plano de expressão, onde estão os suportes físicos dos enunciados prescritivos (Sistema S1, para Paulo de Barros Carvalho). Aqui temos, então, o marco para o início da interpretação. Ao depois, o intérprete inicia a trajetória pelo conteúdo, imitindo-se na dimensão semântica dos comandos legislados, procurando lidar com os enunciados, isoladamente compreendidos, atividade que se passa no âmbito do sistema. Ao terminar a movimentação em referência, o interessado terá diante de si um conjunto respeitável de enunciados, cujas significações já foram produzidas e permanecem à espera das novas junções que ocorrerão em outro subdomínio (S3, segundo Paulo de Barros Carvalho em seu Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência).
Nessa análise, aparecem as significações de enunciados que realizam o antecedente da regra jurídica, bem como aqueles que prescrevem condutas intersubjetivas, contidas no conseqüente.
Contudo, é no campo da semântica que as diferenças se estabelecem. O legislador, procurando cobrir o campo das condutas de forma intersubjetiva, satura as variáveis lógicas da norma com os conteúdos de significação dos fatos que recolhe da realidade social, depois de submetê-los ao juízo de valor que escolheu, ao mesmo tempo em que orienta os comportamentos dos sujeitos envolvidos, modalizando-os com os operadores obrigatório, proibido e permitido.
8.6 Sigilo profissional: conceito
Após a análise e pesquisa de inúmeros juristas, verificamos que o conceito que mais se adapta ao sigilo profissional é aquele que estabelece “um dever ético imposto àquele que vier a ter ciência de algum segredo, no exercício de sua profissão, de não revelá-lo” .
Com relação ao sigilo profissional do advogado esclarece Maria Helena Diniz : “Segredo inerente à profissão de advogado, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado veja-se afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa. O advogado. Deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo constituinte. As confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte. Presumem-se confidenciais as comunicações epistolares entre advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros”.
Desse conceito, verificamos que o segredo profissional não pode ceder à obtenção de prova a qualquer custo, como não pode ser objeto de busca e apreensão judicial, mesmo por ordem judicial.
8.7 O segredo profissional e os valores
Como visto nos tópicos anteriores, as normas legais referem a que o advogado tem na administração da Justiça, estando incluído aí o dever de guardar segredo de fato que tenha conhecimento no exercício da profissão.
Tudo isso, segundo a fenomenologia, não é aferível empiricamente e segundo as exigências lógicas. Do valor, somente podemos dizer que vale, sendo que suas características são: polaridade, implicação, referibilidade, preferibilidade, incomensurabilidade, graduação hierárquica, objetividade, historicidade e inexauribilidade .
Com relação ao valor, existem duas teorias importantes: a subjetiva e a objetiva.
A primeira, diz que os valores existem para a satisfação, desejo, inclinação pessoal, isto é, os valores partem do particular.
A corrente objetivista é dividida em três: a sociológica, a ontológica e a histórico-cultural.
A sociológica é aquela que admite que os valores não sejam produtos de um indivíduo empírico, mas algo que deve ser estudado como fato da sociedade, no seu todo, como expressão de crenças e desejos sociais ou produtos da consciência coletiva.
Para a teoria ontológica, o valor é algo que se põe antes do conhecimento ou da conduta humana, embora podendo ser razão dessa conduta. Há uma separação entre o mundo dos valores e o mundo histórico.
Para a teoria histórico-cultural, não é possível compreender o valor fora do âmbito da história, entendida esta como realização de valores ou como projeção do espírito sobre a natureza. O homem, como o ser que inova o mundo circundante, dá, desta maneira, uma dimensão nova, os valores, como a fonte de que promana.
O sigilo profissional, portanto, está inserido no sistema normativo brasileiro, como uma garantia fundamental do exercício profissional do advogado, como ocorre com a atividade dos médicos, dos jornalistas, etc. Entendemos, portanto, ser um princípio inserido na ordem jurídica de importância fundamental.
A imunidade do advogado e respectivo sigilo profissional são considerados como um valor cultural histórico, em virtude do exercício da profissão do advogado.
Portanto, as disposições constitucionais e legais já referidas são os limites objetivo (enunciado prescritivo), enquanto o valor é a extensão da aplicação dessas normas, não podendo ser obtida prova desse sigilo a qualquer custo, e nem violada a imunidade do profissional enquanto no exercício da profissão.
Todavia, essa mesma imunidade e esse mesmo segredo profissional, somente são aplicados, como remarcados, quando no exercício da profissão. Qualquer outra atitude do advogado, praticada quando não do exercício da profissão pode caracterizar ilícito civil ou penal existindo mecanismos no direito material e instrumental brasileiro que coíbem tais ilicitudes.
9. Do tratamento a ser dado ao sigilo profissional
Diante dessas situações expostas poderemos indagar: o segredo profissional deve ceder à obtenção da prova, seja no âmbito civil ou criminal? Pode o Poder Judiciário determinar a obtenção de prova em desrespeito ao sigilo profissional? Pode o Poder Judiciário determinar a obtenção de prova mesmo no caso do sigilo do jornalista, de igual forma, para obter prova de um fato criminoso?
Vejamos um exemplo para discussão: um cliente solicita ao profissional a emissão de um parecer a respeito de um assunto que em tese constitua um crime. Emitido o parecer no sentido positivo ou não da criminalização da conduta, o parecer ou seus comentários, elaborados em qualquer suporte físico, pode ser criminalizado?
Entendemos no sentido negativo, uma vez que e emissão de uma opinião refere à liberdade do pensamento. Trata-se de conduta atípica, mesmo emitida por qualquer suporte físico. Além disso, foi emitida no estrito exercício da atividade profissional.
Dessa forma, não se justifica a invasão de escritório de advocacia para a obtenção de documentos, petições, peças, e assemelhados relacionados com a atividade profissional.
Todavia, se o advogado não tiver exercendo sua atividade profissional, aí sim, poderá concorrer com a prática de um crime, como ressaltou o Vice-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em resposta a reportagem da Revista Época acima mencionada.
Aliás, existem mecanismos na ordem jurídica brasileira de ordem material e instrumental para a obtenção da materialidade de um delito praticado por qualquer sujeito, seja advogado, juiz, promotor de justiça, delegado de polícia, etc, no âmbito civil e penal.
Portanto, em eventuais buscas e apreensões a conduta deverá ser discriminada, como deverão ser discriminados quais os suportes físicos objeto de apreensão, os quais não poderão estar relacionados com o exercício da profissão.
Isto porque, se for possível à apreensão e a busca indiscriminada, de suporte físico relacionado com a atividade profissional, nenhuma segurança ou confiança será depositada no profissional.
A nosso ver, não é possível a obtenção de prova a qualquer custo, mormente quebrando o sigilo profissional e a estabilidade das relações de confiança entre cliente e advogado.
Qualquer prova obtida com esse intento será considerada inválida e deverá ser desconsiderada para todo e qualquer efeito, como preleciona Fernando Souza Magalhães : “A preterição das garantias consagradas neste preceito corresponde a uma violação de correspondência, não podendo as informações recolhidas na seqüência dessa intromissão servir de meio de prova, por não vigorar no nosso sistema constitucional a possibilidade de produção de prova a qualquer custo – Vide artigos 32º nº 8 , 119º e 126º nºs 1 e 3 da CRP”.
Comentando o artigo 135 do Código do Processo Penal português, Fernando Souza Magalhães anota: “O artigo 135º do C. P. Penal resolve o problema do eventual sacrifício do sigilo profissional para defesa de um interesse ou valor prevalecente, criando um mecanismo processual tendente à superação da escusa invocada pelo Advogado, que pode culminar, uma vez ouvida a Ordem dos Advogados, numa decisão ordenando a prestação do depoimento sob pena de prática dos ilícitos previstos nos artigos 360º nº 2 e 367 do C. Penal. Não bastará, contudo, para o sacrifício do sigilo, um mero interesse no apuramento da verdade material, já que sobre este deve aquele prevalecer, por resultar do interesse social da confiança nos confidentes necessários, como se decidiu, entre outros, no Acórdão da Relação de Coimbra de 20/01/93, em Col. Jur. 1993-I pág. 65”.
10. Conclusões
Diante do que ficou exposto, chegamos às conclusões que seguem.
O sigilo profissional, se exercido na atividade profissional, é uma garantia que deve ser preservada em todos os aspectos e não pode ser sacrificado para a obtenção de prova de qualquer natureza.
As buscas e apreensões genéricas a nosso ver podem e devem ser consideradas como prova ilícita desconsiderado-as para todo e qualquer efeito, mesmo por ordem judicial, uma vez que o sigilo profissional não pode ser sacrificado a pretexto da prova ser conseguida a qualquer custo, até porque, essa mesma prova, em termos constitucionais, é considerada inválida.
Sugere, portanto, de lege ferenda a elaboração de norma legal federal, regulamentando o artigo 133 da Constituição Federal em acréscimo ao Estatuto dos Advogados, tendo como supedâneo as disposições dos artigos 71º e 87º do Estatuto dos Advogados portugueses, cuja redação poderá ser a seguinte:
“Artigo 1º - No que respeite ao exercício profissional, não pode ser apreendida a correspondência, seja qual for o suporte físico utilizado”.
“Artigo 2º - A proibição estende-se à correspondência trocada entre o advogado e aquele que lhe tenha cometido ou pretendido cometer mandato e lhe haja solicitado parecer, embora ainda não dado ou já recusado”.
“Artigo 3º - Compreendem-se na correspondência as instruções e informações escritas sobre o assunto da nomeação ou mandato ou do parecer solicitado”.
“Artigo 4º - O advogado poderá rotular seus documentos redigidos em qualquer suporte físico, com o caráter confidencial, os quais gozam da proteção do sigilo profissional”.
“Artigo 5º -O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os fatos cunho conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços no âmbito da representação judicial ou extrajudicial, e especial aos fatos:
I – referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste.
II – de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados do Brasil.
III – referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração.
IV – comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante.
V – de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes tenha lhes dado conhecimento durante negociações para acordo que vise poro termo a uma querela ou litígio.
VI – de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervido”.
“Artigo 6º - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os fatos sujeitos a sigilo”.
“Artigo 7º - O advogado pode revelar fatos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, da Seção em que estiver inscrito, com recurso para o presidente do respectivo Conselho Federal, nos termos previstos em regulamento”.
“Artigo 8º - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo”.
“Artigo 9º - Ainda que dispensado nos termos do artigo 7º desta lei, o advogado pode manter o segredo profissional”.
“Artigo 10 - O dever de guardar sigilo quanto aos fatos descritos nesta lei é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no artigo 8º desta lei”.
É o parecer, sub censura.